Relato vivo, repleto de uma ludicidade em que Diderot se empenha com o seu estro e seu brilho, Jacques, o Fatalista, e seu Amo tece sob a mão invisível do criador um conjunto de jogos satíricos de recriações de idéias, relações e tipos a se constituir em reflexão crítica sobre o tempo, a atmosfera e a sociedade na antevéspera das Luzes e, projetivamente, no que se convencionou chamar de 'tempos modernos'. Mostra o intelectual, o artista e o filósofo em seu papel transgressor da ordem, de oposição aos que mandam e legislam, seu movimento em direção ao público, um didatismo desconcertante e um jogo sedutor que subverte a hierarquia entre sujeito e servidor, como assinala J. Guinsburg, 'numa entrega da qual não consegue se desvincular'. O jogo da sedução da arte? Em seu didatismo, Diderot ameaça as seitas e a crítica ingênua, que não consegue captar a riqueza do plágio, recria, traduz, toma de empréstimo e devolve com sua verve satírica idéias de um Sterne ou um Voltaire. Tem uma percepção que o distancia do técnico, da imitação e persegue uma subjetividade de outro tipo, numa ordem que traz a marca do Acaso como belo protagonista, num romance dialógico que não parte do pretenso ineditismo, mas do esforço enorme de ampliar o que já está dado. Em sua crítica da religião, o criador faz também a crítica de uma pretensa ancoragem científica, volta-se para o incerto, para o caos da natureza, algo que seria bem propício pensar nos dias de hoje.
Sobre o autor(a)
Guinsburg, J.
Foi um dos mais proeminentes intelectuais brasileiros dos últimos sessenta anos. Ensaísta, escritor, tradutor e professor autodidata, foi titular da cadeira de Estética Teatral do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – CAC/ECA-USP. Sempre ligado ao mercado editorial, foi um dos fundadores da editora Perspectiva de São Paulo em 1965, da qual tornou-se o editor. À frente dela até a sua morte, construiu ao longo dos anos um dos mais notáveis acervos editoriais do país no campo das humanidades. |